Entenda as propostas do governo para a Reforma Administrativa e como ela afetará o funcionalismo público
O governo federal apresentou na primeira semana de setembro a proposta de Reforma Administrativa. O texto acaba com a estabilidade para novos servidores, mas mantém os direitos dos servidores atuais. No entanto, AGU e parlamentares articulam para incluir servidores atuais na reforma.
Além disso, a proposta extingue promoções automáticas e diversos benefícios, considerados pelo Ministério da Economia como privilégios. O texto, porém, não mexe nas regras para magistrados, parlamentares, militares e membros do Ministério Público, categorias que estão entre as que têm maior remuneração e benefícios no serviço público.
A reforma é uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) e precisa de, no mínimo, 308 votos favoráveis, em dois turnos, para ser aprovada na Câmara dos Deputados. Depois vai ao Senado, onde precisa ter no mínimo 49 votos, também em dois turnos, para então ser promulgada.
Veja abaixo os principais pontos da proposta do governo.
Servidores sem estabilidade
Atualmente, os servidores públicos são contratados por concurso público, por meio de um Regime Jurídico Único, que garante estabilidade. Pela proposta de reforma administrativa, a estabilidade acaba, exceto para alguns cargos, considerados de Estado.
Haverá cinco regimes diferentes de contratação:
Cargos típicos de Estado
Terão direito a estabilidade após três anos no serviço público. Uma lei posterior deverá definir quais são as carreiras típicas de Estado.
Segundo o governo, são servidores que trabalham em atividade fim, ou seja, diretamente ligada à finalidade daquela área, e indispensáveis para a existência ou representação do Estado, além de exclusivamente públicas. Por exemplo, diplomatas e auditores da Receita.
Cargos por prazo indeterminado
Não têm estabilidade. São servidores que desempenham atividades administrativas, técnicas ou especializadas que são contínuas e não exclusivas de Estado. A maioria dos servidores permanentes será contratada nesse regime.
Contrato por prazo determinado
Não têm estabilidade. São contratados por concurso, como os dois grupos anteriores. Os contratos são temporários, com duração estabelecida previamente. Após o término do período, o profissional deixa o serviço público.
Cargos de liderança e assessoramento
Não têm estabilidade e não passam por concurso público. Segundo o governo, uma parte será contratada via “processo de seleção simplificado“, ainda não detalhado, e uma parte será via indicação. São cargos de liderança estratégica, gerencial ou técnica e de assessoramento, que hoje correspondem aos cargos comissionados.
Vínculo de Experiência
Todos os aprovados em concurso público passarão um período sob o contrato de experiência.
Para cargos típicos de Estado, esse período é de dois anos. Depois disso, somente os mais bem avaliados serão efetivados. Após a efetivação, o servidor só ganha estabilidade depois de um ano de trabalho.
Para os demais servidores, que não terão estabilidade, o vínculo de experiência vai durar um ano. Passado esse prazo, os mais bem avaliados serão efetivados.
Fim de promoções automáticas e benefícios
A proposta extingue diversos benefícios pagos hoje aos servidores. Mas isso só vale para novos servidores. Os atuais manterão esses direitos.
Deixarão de existir:
• Licença-prêmio (folga de três meses concedida depois de cinco anos de trabalho)
• Aumentos retroativos;
• Férias superiores a 30 dias por ano;
• Adicional por tempo de serviço;
• Aposentadoria compulsória como punição;
• Parcelas indenizatórias sem previsão legal;
• Adicional ou indenização por substituição não efetiva;
• Redução de jornada sem redução de remuneração, exceto se for por condição de saúde;
• Progressão ou promoção baseada exclusivamente em tempo de serviço;
• Incorporação ao salário de valores referentes ao exercício de cargos e funções.
Presidente poderá extinguir órgãos e cargos
A proposta também quer dar mais poderes ao presidente da República para extinguir cargos, gratificações, funções e órgãos, transformar cargos vagos e reorganizar autarquias e fundações.
O governo diz que hoje há pouca autonomia na reorganização de cargos e órgãos e as mudanças na estrutura administrativa precisam ser feiras via lei aprovada pelo Congresso. Segundo a equipe econômica, isso torna os processos muito demorados.
Salários iniciais mais baixos
O governo disse que também vai encaminhar ao Congresso outras mudanças, mas que não estão na PEC. Elas seriam feitas após a aprovação da PEC.
Uma delas é reduzir os salários iniciais no serviço público, muito mais altos que os do setor privado, segundo o governo.
Outro plano é ampliar o número de faixas salariais para evolução ao longo da carreira, o que faria com que o servidor demorasse mais tempo para chegar ao topo.
Demissão por mau desempenho
Outra proposta do governo que não está na PEC é a demissão de servidores por mau desempenho. Diferentemente das outras mudanças, esta também se aplicaria aos servidores atuais.
A previsão legal para esse tipo de demissão já existe na Constituição Federal, mas nunca foi aplicada por falta de regulamentação. O governo não detalhou como será a proposta.
Atualmente, para demitir um servidor é preciso realizar um processo administrativo disciplinar (PAD), segundo a lei nº 8.112. Tem que ficar comprovado, entre outros casos, que houve crime contra a administração pública, abandono do cargo, improbidade administrativa ou corrupção.
Corte de carreiras e mobilidade do servidor
A proposta prevê mudanças para permitir a realocação de servidores na estrutura pública. Por exemplo, um técnico administrativo não ficaria vinculado a uma única pasta ou autarquia, ele seria uma espécie de técnico administrativo do poder Executivo.
O entendimento é de que será levado em conta o tipo de serviço que o trabalhador desenvolve, que pode ser utilizado por diferentes órgãos da máquina. A regra é específica para servidores contratados após a promulgação da PEC.
Há a previsão de autorização legal para transformar também cargos efetivos existentes em novos cargos, respeitando a despesa prevista.
Por exemplo, uma vaga de R$ 10 mil poderia ser transformada em quatro vagas de R$ 2.500. A avaliação feita pelo governo para permitir essa mobilidade é que atualmente há cargos obsoletos na máquina pública, como ascensorista.
Por conta dessas alterações, haveria um corte na quantidade atual de carreiras do funcionalismo, de mais de 300 para cerca de 20.
Comitês para definir salários e reajustes
O texto da PEC prevê ainda que a lei orçamentária “poderá conter programações únicas e específicas”. Seria uma forma de flexibilizar a montagem do Orçamento para contemplar metas de produção do funcionalismo.
A PEC elaborada pelo governo determina que cada ente (União, estados e municípios) definirá, por meio de um comitê, salários, aumentos e bônus dos servidores públicos do governo, de autarquias e fundações públicas, do Ministério Público e da Defensoria Pública. O comitê teria representantes da sociedade civil e dos poderes públicos.
A proposta é que os valores sejam equiparados à realidade do mercado privado e considere a situação fiscal de cada gestão. O texto especifica como funcionarão os comitês —as decisões devem ser tomadas por unanimidade, para evitar que o Executivo fique vulnerável a decisões de outros Poderes que possam prejudicar os cofres públicos.
Reforma não afeta juiz, parlamentar e militar
Além de não afetar servidores atuais, a proposta de reforma administrativa do governo não vai atingir futuros magistrados, parlamentares, militares e membros do Ministério Público.
O governo alega que o presidente da República não pode definir normas específicas para membros dos Poderes Legislativo e Judiciário. Essas mudanças precisariam ser feitas pelo presidente do Congresso Nacional, pelo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e pelo procurador-geral da República.
Apesar disso, os demais servidores da Justiça, do Legislativo e do Ministério Público são atingidos pela reforma.
No caso dos militares, o governo diz que não foram incluídos na reforma administrativa porque já fez mudanças na carreira das Forças Armadas no ano passado, no âmbito da reforma da Previdência dos militares.